por Andréa de Paiva
Esse artigo foi inspirado na mesa de discussão sobre o tema no Primeiro Fórum Nacional de Lideranças Femininas do Audiovisual, a qual eu tive a honra de mediar graças ao convite da Débora Ivanov, advogada e produtora, ex diretora da ANCINE (Agência Nacional de Cinema) e do SIAESP (Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo).
Você já parou para pensar em quantas vezes cometeu algum erro de julgamento? Seja quando decidiu onde investir o seu dinheiro, quando se forçou comer uma comida que não aguentava mais pensando "eu paguei por ela, vou comer tudo", ou quando contratou alguém para trabalhar na sua empresa. São muitas as situações nas quais podemos ser influenciados por vieses inconscientes, conforme discutiremos no artigo de hoje.
Para entender o que é o viés inconsciente precisamos dar ainda um passo atrás e entender um padrão muito simples de funcionamento do cérebro: as heurísticas. Estas são atalhos mentais criados com base na nossa experiência. Como pensar consome muita energia, o cérebro utiliza esse "truque" que ajuda a acelerar processos e economizar recursos. Assim, experiências já vividas ficam gravadas e podem ser acessadas através de atalhos. Ou seja, assim que o cérebro identifica alguns elementos que remetam a uma experiência conhecida, através de associações, ele utiliza um "atalho" para não ter que processar todas as informações envolvidas e antecipa o resultado.
Por exemplo, tente ler essa frase: o cébrero é uam máuiqna inírcvel e poredosa. O que você leu? Foi difícil? Quando lemos, nosso cérebro utiliza atalhos mentais para antecipar o final de cada palavra e poupar energia. Por isso, ao ler um texto na nossa língua materna, que é tão familiar, não precisamos realmente ler cada palavra até o fim [1]. Esse é o funcionamento clássico de uma heurística.
Contudo, em alguns casos, essas interpretações antecipadas podem nem sempre estar corretas. E, quando elas estão erradas, elas são chamadas de vieses inconscientes - ou vieses cognitivos -, que são erros sistemáticos de avaliação que acontecem sem que a gente se dê conta. Na economia comportamental, são muitos os vieses discutidos, tais como o viés do custo irrecuperável, que acontece quando persistimos numa ação porque ela já teve um custo. Por exemplo, quando vamos a um restaurante e a comida não é tão boa, mas é bem servida, e nós nos forçamos a comer tudo, afinal, nós pagamos por ela. Outro viés inconsciente é o da prova social, ou efeito manada, no qual seguimos o comportamento do bando. Há também o viés da disponibilidade, muito utilizado no marketing, quando lembramos mais ou até temos preferência por algum elemento simplesmente porque ele esteve presente de forma mais frequente nas nossas vivências nos últimos tempos. A frase "falem mal mas falem de mim" faz bastante sentido nesse contexto, já que o julgamento (bom ou ruim) pode ser esquecido antes do elemento julgado.
Mas afinal de contas, porque os vieses inconscientes podem ser tão perigosos? Porque eles influenciam o tempo todo nossa tomada de decisão sem nos darmos conta. Ou pior, quando achamos que estamos sendo razoáveis e tomando uma decisão consciente. O pré-conceito, por exemplo, na maioria das vezes está associado a um viés inconsciente. Ele se trata de um erro de julgamento baseado numa informação pré-registrada. E esse registro é formado com base em crenças e opiniões desatualizadas ou completamente falsas passadas socialmente.
Mais do que isso, muitas das heurísticas - e consequentemente dos vieses - que criamos são um reflexo da nossa cultura. Ao conviver com nossos diversos grupos sociais, nós vamos criando atalhos mentais com base nessas experiências. Soma-se a isso a atuação das mídias que, buscando gerar identificação, reproduzem os ideias mais presentes na cultura, ajudando a difundi-los e fortalecê-los ainda mais, como é possível observar na imagem abaixo de 2015. Neste caso, a propaganda reforça o viés de que os serviços domésticos são responsabilidade das mulheres.
Diversas pesquisas revelam como as mulheres, ainda hoje, são tratadas de forma diferente no ambiente de trabalho. Por exemplo, em artigo publicado no The Lancet em 2019 sobre uma pesquisa canadense, na carreira científica existem duas formas de ganhar uma bolsa para pesquisa: na primeira é avaliado o potencial do projeto de pesquisa e, na segunda, é avaliado o potencial do pesquisador. O estudo revela que quando a segunda opção é adotada, cientistas homens são priorizados [2].
Você lembra do vídeo que viralizou de um inglês especialista em ciências políticas da Coréia do Sul que estava dando uma entrevista para a BBC quando crianças invadem a sala? Ao fundo aparece a imagem de uma mulher oriental tentando recolher a criança desesperadamente. Qual foi a primeira ideia que veio à sua cabeça ao vê-la? Que ela era a babá? Uma pesquisa anônima realizada num fórum do Facebook revelou que 70% dos participantes acharam que ela era a babá [3]. Esse resultado mostra como diferentes origens étnicas são associadas a determinada condição social e a determinadas atividades.
O estudo Women in the Workplace 2018 realizado em 2018 nos Estados Unidos pela LeanIn.Org e McKinsey & Co. mostra que, para cada 100 mulheres promovidas à posições de gerente, 130 homens são promovidos. Apenas cerca de 18% das mulheres no mercado de trabalho ocupam posições de C-Level atualmente e este número cai para 3% quando consideradas mulheres negras [4].
Voltando às heurísticas, sabemos que elas são formadas com base nas vivências e e reforçadas pela repetição. Nesse sentido, quando as mídias repetem padrões culturais enviesados, ela está não apenas difundindo, mas também reforçando ainda mais os vieses inconscientes. Esse problema se agrava quando consideramos a forte atuação dos algoritmos nas redes sociais e plataformas de streaming. Esses algoritmos fazem com que os gostos de cada usuário orientem o conteúdo que vai aparecer para ele. Ou seja, se você curte determinadas notícias, no momento seguinte aparecerão para você mais notícias relacionadas àquelas curtidas e, consequentemente, menos do conteúdo que for mais divergente. Assim, ainda que a internet ofereça um mundo de informações e diversidade, cada vez mais nos cercamos do que é parecido com a gente, dos mesmos padrões, tendo as mesmas heurísticas sendo reforçadas e, assim, os mesmos vieses.
Mas como podemos mudar isso? Antes de mais nada, o primeiro passo é a educação. Precisamos reconhecer que todos nós somos influenciados por vieses inconscientes dos mais diversos tipos. A partir daí, fica mais fácil de nos policiarmos quando estivermos prestes a nos deixar levar por um. Contudo, especificamente em vieses que impactam as relações sociais, para provocar transformação pessoal e dos outros, além de informar, é preciso estimular que as pessoas sejam mais empáticas. Conseguir se colocar no lugar do outro é fundamental para entender como o desrespeito e a injustiça machucam. Nesse sentido, já existem muitas iniciativas que envolvem a educação imersiva através da realidade virtual, que possibilita vivenciar o lugar do outro, seja ele uma pessoa de outro gênero, etnia, idade ou classe social [5]. Pessoas mais informadas podem ajudar a recriar e reforçar padrões e heurísticas não enviesados. E esse processo pode ser feito através da criação de nudges, que são pequenos "empurrões" ou cutucadas que servem para induzir mudanças no comportamento.
Mas, dada a complexidade desse tema, que levou o economista Richard Thaler a vencer o Nobel de Economia em 2017, este é um tema para discutirmos num próximo artigo....
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