Por Andréa de Paiva
Por quantas horas você fica exposto à iluminação natural? Por quanto tempo você consegue estar do lado de fora sentindo a luz do sol bater na sua pele? Ou em que momento do dia a luz do sol alcança as janelas da sua residência ou do seu escritório? Se você consegue passar bastante tempo exposto à luz do sol, saiba que casos assim são cada vez mais uma exceção nos dias de hoje. A combinação de rotinas indoors com o design de edifícios e cidades tem feito com que este recurso natural - tão simples e universal que é a luz solar - comece a faltar nas nossas vidas. E a ciência vem apontando que isso traz grandes prejuízos ao nosso organismo, como veremos neste artigo.
Imagine que você acabou de comprar um apartamento. Ele é bem iluminado, as janelas e a varanda são desobstruídas com uma vista excelente e você segue sua vida satisfeito. Anos depois, começam a surgir prédios no entorno e você perde grande parte da vista das suas janelas. Mas esse não é o único problema que você passa a enfrentar. Além de perder a vista desobstruída, a luz do sol que antes batia no seu apartamento por algumas horas do dia, agora bate apenas por alguns minutos mais próximos do meio-dia, justamente quando a luz do sol é mais intensa e, sem proteção, pode ser nociva. A área de lazer que contava com jardim e piscina com sol praticamente o dia todo, também deixa de ser bem iluminada e, se você quiser aproveitar a piscina com sol, tem que descer num horário específico do dia ou então estará na sombra.
Infelizmente, essa é a realidade de muitas pessoas em diferentes cidades do mundo. Com a crescente construção de prédios cada vez mais mais altos, como acontece em São Paulo, por exemplo, o acesso ao sol, que antes era uma certeza nas nossas vidas, agora vem diminuindo. E isso não acontece apenas nas nossas residências. Este é um problema de outros edifícios, como escritórios e escolas, e também é um problema nas áreas públicas como ruas e parques. Em Nova York, por exemplo, existem discussões sobre a sombra dos gigantes skyscrapers nos edifícios vizinhos bem como em parques como o Central Park (Plitt, 2018).
Mas, afinal de contas, porque isso importa?
A luz do sol é essencial para a manutenção da vida no nosso planeta. Além do clima e das estações, o sol influencia as correntes oceânicas e torna a vida vegetal possível através da fotossíntese. Mas não são só as plantas que precisam do sol para viver. O organismo humano regula suas atividades internas de acordo com os ciclos de luz e escuridão do dia. Esse ciclo de 24 horas do funcionamento do organismo é conhecido como ciclo circadiano, o nosso "relógio biológico". Nós temos células na nossa retina que detectam mudanças de iluminação (luz natural e artificial) mesmo quando estamos de olhos fechados. Ou seja, é através principalmente da iluminação que o nosso "relógio biológico" consegue sincronizar atividades do organismo com os ciclos de dia e noite do ambiente onde estamos.
Nesse sentido, assim como a escuridão é importante de noite para atingirmos estados profundos de sono, a iluminação de dia também é para termos nosso pico de energia. E apesar da luz artificial também afetar - e muito! - nosso relógio, durante o dia, a iluminação natural é imbatível. Por exemplo, estudos apontam que alunos em salas de aula com maior entrada de luz natural têm performance elevada em comparação com alunos em salas iluminadas artificialmente (Hechong et al, 2013; Baloch et al, 2020). Nos escritórios, trabalhadores com mais acesso a janelas tem duração do sono mais longa (Boubekri, 2014) e efeitos positivos na performance , além da diminuição de fadiga ocular e dores de cabeça (Hedge, 2018).
A importância da luz natural para o nosso organismo não para por aí. Para além da regulação do relógio biológico, a luz natural é importante para a manutenção da nossa saúde. Estudos indicam que a exposição solar insuficiente pode ser responsável por cerca de 340.000 mortes nos Estados Unidos e 480.000 mortes na Europa por ano (Chowdhury, 2014). Além disso, também foram feitas correlações entre insuficiência de exposição à luz solar e aumento da incidência de alguns tipos de câncer, como o de mama, e o câncer colorretal; hipertensão, doenças cardiovasculares, Alzheimer, miopia, entre outras (Alfredsson et al, 2020). A luz do sol é fundamental para a produção de vitamina D e esta, por sua vez, tem um importante papel para nossa saúde. Ela não apenas fortalece nosso sistema imune, mas também ajuda a manter a saúde dos ossos e músculos, a regular o crescimento, controlar o metabolismo, entre outros (Wacker & Holick, 2013).
Além dos efeitos diretos da insuficiência da exposição à luz natural no nosso organismo, é importante destacar também os efeitos que isso gera para a qualidade dos ambientes. A luz do sol é muito importante para o controle de fungos e bactérias. Na sua ausência, estes se proliferam com maior facilidade e o ambiente pode se tornar menos salubre. Já ouviu falar na Síndrome do Edifício Doente? Esse termo é usado quando os ocupantes do edifício experimentam problemas de saúde e conforto, mas nenhuma doença específica pode ser identificada. Uma das causes da Síndrome do Edifício Doente é a baixa qualidade do ar resultante tanto de problemas de ventilação como da alta proliferação de fungos e bactérias em ambientes úmidos e com pouca incidência de luz solar.
Por fim, mas não menos importante, a luz do sol estimula a produção de serotonina, substância associada à sensação de bem estar e felicidade, à regulação do humor e ao autocontrole, entre outras coisas. Por exemplo, um estudo na Austrália identificou que as pessoas têm níveis mais altos de serotonina no organismo nos dias mais ensolarados do que nos dias mais nublados, com menor incidência de luz direta do sol (Lambert et al., 2002). Mais do que isso, vale ressaltar que baixos níveis de serotonina estão associados a aumento da ansiedade e dos riscos de desenvolver depressão (Azmitia, 2010; Sansone & Sansone, 2013). Ou seja, quando não nos expomos à luz do sol, a produção de serotonina do organismo diminui, o que não só afeta nosso humor no curto-prazo, mas pode levar ao desenvolvimento de depressão no longo-prazo. Em outras palavras, passar um dia numa sala não muito bem iluminada pode não ser um problema, mas se essa condição passa a fazer parte do nosso dia a dia, os efeitos no nosso organismo podem ser muito mais drásticos.
O que podemos fazer com este conhecimento?
Esse conhecimento é fundamental para entendermos de maneira mais completa qual a importância da exposição à luz do sol mais equilibrada (sem exageros, porém sem faltas também) e para, a partir disso, repensarmos tanto os nossos hábitos como os nossos ambientes. Nós passamos mais de 90% do nosso tempo em ambientes internos (WELL Building Standard, 2014) e é possível afirmar que essa proporção só aumentou com o home office e com as tecnologias que nos permitem vivenciar cada vez mais momentos de lazer sem ter que sair de casa. Arquitetos, designers e urbanistas têm que partir desse ponto para pensar novos espaços.
Começando de dentro para fora, é possível levarmos mais luz para as pessoas enquanto elas estão em ambientes internos. Já que elas passam tanto tempo nessas condições, tais soluções são ainda mais importantes. Como fazer isso? Criar mais entradas de luz natural (ou entradas maiores) é um bom começo. Mas só isso não basta! Precisamos levar as pessoas até a luz. Para isso, o layout e os usos dos ambientes podem ser distribuídos de maneira que as áreas próximas às entradas de luz natural se tornem ainda mais atrativas. Além disso, é importante tentar atrair as pessoas também para áreas externas. Varandas, jardins, quintais, parques, praças e até mesmo calçadas e ciclovias geram excelentes oportunidades para que as pessoas se exponham mais ao sol. Mas apenas criar tais espaços não é suficiente. Mais uma vez, precisamos tornar esses espaços atraentes. Podemos conseguir isso repensando sua segurança, seu conforto, sua aparência, sua funcionalidade, sua significância - entre outros - e encontrando maneiras de aumentar o apego emocional das pessoas a esses lugares.
Mas, claro, não adianta criar praças, parques, grandes janelas e varandas se não houver um controle das construções no seu entorno que geram sombreamento. É comum que nas discussões sobre o Plano Diretor das cidades se aborde o tema da altura dos edifícios sob a ótica do adensamento da população. Precisamos incluir a ótica do sombreamento das cidades, da escassez de luz natural nos espaços públicos e privados, externos e internos. Só assim esse recurso natural tão importante para a nossa saúde e o nosso bem-estar não nos será roubado pelas construções ao nosso redor.
A relação entre NeuroArquitetura e iluminação natural é bastante ampla e não se esgota no que discutimos até aqui. Por isso, em breve voltaremos a analisar outras questões relacionadas ao tema e que podem ajudar os arquitetos a enfrentar esse desafio!
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Referências:
Alfredsson, L., Armstrong, B. K., Butterfield, D. A., Chowdhury, R., de Gruijl, F. R., Feelisch, M., Garland, C. F., Hart, P. H., Hoel, D. G., Jacobsen, R., Lindqvist, P. G., Llewellyn, D. J., Tiemeier, H., Weller, R. B., & Young, A. R. (2020). Insufficient Sun Exposure Has Become a Real Public Health Problem. International journal of environmental research and public health, 17(14), 5014. https://doi.org/10.3390/ijerph17145014
Azmitia, E. (2010) CHAPTER 1.1 - Evolution of Serotonin: Sunlight to Suicide. Handbook of Behavioral Neuroscience. Volume 21, Pages 3-22
Baloch, R., Maesano, C. N., Christoffersen, J., Mandin, C., Csobod, E., Fernandes, E. O., Annesi-Maesano, I., & Consortium, O. (2020). Daylight and School Performance in European Schoolchildren. International journal of environmental research and public health, 18(1), 258. https://doi.org/10.3390/ijerph18010258
Boubekri, M., Cheung, I. N., Reid, K. J., Wang, C. H., & Zee, P. C. (2014). Impact of windows and daylight exposure on overall health and sleep quality of office workers: a case-control pilot study. Journal of clinical sleep medicine : JCSM : official publication of the American Academy of Sleep Medicine, 10(6), 603–611. https://doi.org/10.5664/jcsm.3780
Boubekri, M., Hull, R. B., & Boyer, L. L. (1991). Impact of window size and sunlight penetration on office workers' mood and satisfaction: A novel way of assessing sunlight. Environment and Behavior, 23(4), 474–493. https://doi.org/10.1177/0013916591234004
Chowdhury, R., Kunutsor, S., Vitezova, A., Oliver-Williams, C., Chowdhury, S., Kiefte-de-Jong, J. C., Khan, H., Baena, C. P., Prabhakaran, D., Hoshen, M. B., Feldman, B. S., Pan, A., Johnson, L., Crowe, F., Hu, F. B., & Franco, O. H. (2014). Vitamin D and risk of cause specific death: systematic review and meta-analysis of observational cohort and randomised intervention studies. BMJ (Clinical research ed.), 348, g1903. https://doi.org/10.1136/bmj.g1903
Hechong, L., Wright, R., Okura, S. (2013) Daylighting Impacts on Human Performance in School. Journal of the Illuminating Engineering Society. Volume 31, 2002 - Issue 2
Hedge, A. (2018) Daylight & The Workplace Study. Cornell University. https://view.com/sites/default/files/documents/research-brief-daylight-and-the-workplace.pdf
Lambert, G. W., Reid, C., Kaye, D. M., Jennings, G. L., & Esler, M. D. (2002). Effect of sunlight and season on serotonin turnover in the brain. Lancet (London, England), 360(9348), 1840–1842. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(02)11737-5
Plitt, A. (2018) Bill aims to curb supertall shadows in NYC parks. https://ny.curbed.com/2018/10/18/17991538/nyc-parks-building-shadows-city-council-legislation
Sansone, R. A., & Sansone, L. A. (2013). Sunshine, serotonin, and skin: a partial explanation for seasonal patterns in psychopathology?. Innovations in clinical neuroscience, 10(7-8), 20–24.
Wacker, M., & Holick, M. F. (2013). Sunlight and Vitamin D: A global perspective for health. Dermato-endocrinology, 5(1), 51–108. https://doi.org/10.4161/derm.24494
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