NeuroArquitetura e os impactos da luz no cérebro
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NeuroArquitetura e os impactos da luz no cérebro


Por Andréa de Paiva


Quem nunca teve insônia depois de passar algumas horas no celular ou no computador? Como é a iluminação da sua casa quando anoitece? Quais são as mudanças que ocorrem no cérebro quando passamos mais horas expostos à luz? No artigo de hoje vamos discutir os insights da NeuroArquitetura sobre os impactos do excesso de exposição à luz no cérebro.


Cérebro e luz. Fonte: fractalenlightenment
Fonte: fractalenlightenment

A iluminação natural é essencial para a organização temporal da fisiologia dos organismos. É ela que permite a sincronização do ritmo circadiano com os períodos de dia e noite do ambiente. O ritmo circadiano (ou ciclo circadiano) é chamado de relógio biológico. Ele abrange o período de um dia (24 horas) no qual se completam as atividades do ciclo biológico dos seres vivos e regula tanto ritmos fisiológicos como psicológicos, com impactos diretos no estado de vigília e de sono, na secreção de hormônios, função celular e expressão genética. Ou seja, é através da luz que nosso cérebro sincroniza grande parte do seu funcionamento com o mundo exterior.


Na maioria dos países de latitudes mais altas, como a Rússia, por exemplo, o período de duração do dia e da noite varia muito mais ao longo do ano do que em países que estão mais próximos da linha do equador como o Brasil. O verão russo (época em que ocorreu a Copa do Mundo) conta com dias mais extensos quando comparados aos nossos. No caso das cidades mais ao norte do país, como São Petersburgo, ocorrem as famosas noites brancas, período em que o céu não chega a escurecer por completo mesmo durante a madrugada. Nessa época a claridade do dia chega a durar mais de 18 horas. Também existem locais onde o sol não se põe durante todo o verão. É o caso de algumas regiões da Finlândia e da Groenlândia, onde os impactos psicológicos da exposição prolongada à luz são tão fortes que os índices de suicídio aumentam dramaticamente no verão [1].


Noites brancas em São Petersburgo. Fonte: NeuroAU
Noites brancas em São Petersburgo. Fonte: NeuroAU

Mas será que os únicos afetados por aspectos da iluminação são aqueles que vivem em países de latitude alta? A resposta é: não. Até mesmo a exposição à iluminação artificial impacta diretamente a qualidade de vida das pessoas. E isso ocorre em diferentes ambientes: nas ruas, com a luz dos postes e faróis dos carros, e dentro de casa, com as lâmpadas, abajures, televisões e aparelhos eletrônicos em geral. Com o surgimento da iluminação elétrica o homem tornou-se capaz de estender artificialmente a duração do dia, mas o cérebro não teve tempo evolutivo de se adaptar a essa nova condição [2]. Por exemplo, a intensidade da iluminação noturna nas ruas dos centros urbanos varia entre 100 e 300 lux [3], valor bastante alto, o que está levando muitas cidades a mudar toda a iluminação pública para reduzir essa intensidade [4]. Dentro de casa, a tela de um computador ou tablet, dependendo do seu tamanho, chega a emitir cerca de 40 lux [3]. Esse excesso de iluminação prolongada afeta diretamente nossa saúde física e psicológica.


Iluminação das ruas de Los Angeles. Fonte: CNN
Iluminação das ruas de Los Angeles. Fonte: CNN

Independente da nossa capacidade visual, na retina estão fotorreceptores que funcionam mesmo quando estamos de olhos fechados (por isso é mais difícil dormir num quarto claro). E as luzes frias são as que mais impactam o ritmo circadiano por emitirem mais luz azul (semelhante à luz do sol de meio dia) do que as luzes quentes. Entre os impactos decorrentes da desregulação do ciclo circadiano, o mais conhecido é a insônia. A exposição à luz de noite, mesmo que em baixa intensidade, inibe a secreção de melatonina, hormônio que ajuda na regulação do sono e da vigília. Mas os problemas não param por aí.


O ciclo circadiano permeia a maioria dos sistemas cerebrais responsáveis pelo controle do nosso humor, entre eles o sistema límbico e o eixo hipotálamo-hipófise. O sistema circadiano também regula a secreção de glicocorticóides (entre eles o cortisol). Estas substâncias são importantes para o controle do stress e do sistema imunológico. Além disso, a desregulação do sistema circadiano a longo prazo também gera mudanças estruturais no cérebro. Ratos adultos mantidos em ambientes com iluminação contínua apresentaram redução da plasticidade no hipocampo, diminuindo sua capacidade de aprender e memorizar [3].


Como os arquitetos podem criar ambientes mais humanos e que respeitem o nosso ritmo biológico? Os projetos de edifícios e cidades devem incorporar os insights da NeuroArquitetura, principalmente nos casos de ambientes de longa permanência, que devem levar em consideração os impactos da exposição constante à luz. É preciso reconhecer a necessidade de perceber a passagem de tempo ao longo do dia para a regulação do nosso ciclo circadiano. Por isso janelas são fundamentais. É através delas que percebemos as alterações do céu que indicam a passagem do tempo. Para projetos de iluminação, as luzes frias proporcionam efeitos visuais e fornecem luz adequada para não forçar os olhos e manter os níveis de atenção. Porém, quando utilizadas de forma contínua, elas enganam nosso organismo e alteram nosso ciclo circadiano [5].


Em conclusão, fica claro o papel fundamental que a luz tem para nossa saúde. Ela é uma ponte que conecta o mundo exterior ao nosso cérebro, fazendo funcionar nosso sistema circadiano. A invenção da lâmpada elétrica tornou possível a extensão do dia, mas nosso cérebro não foi programado para isso. Portanto, essa extensão, feita de forma descontrolada e, a longo prazo, pode causar danos ao cérebro, impactando nossa saúde física e mental. Porém, nem todas as pessoas sabem disso e elas podem ser afetadas sem saber. Por isso é tão importante que arquitetos e neuroarquitetos estejam mais atentos. Ao criar ambientes mais humanos e que respeitem nosso ritmo biológico, estaremos colaborando para manter as pessoas mais felizes e saudáveis.


A relação luz-cérebro é bastante ampla e o assunto não se esgotou nesse artigo. Em breve, voltaremos a abordar aqui outros aspectos da relação luz-cérebro!


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