NeuroArquitetura e biofilia: a necessidade primitiva de natureza que o ambiente ajuda a suprir
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NeuroArquitetura e biofilia: a necessidade primitiva de natureza que o ambiente ajuda a suprir

Por Andréa de Paiva


Como você se sente quando se encontra num local com pouca ou nenhuma presença de natureza? Talvez você nem preste muita atenção quando está apenas de passagem por tais espaços, ocupando-os por pouco tempo. Mas, quando passamos longos períodos com pouco contato com a natureza, os efeitos no nosso organismo começam a se intensificar. Diversos pesquisadores vêm investigando essa relação entre indivíduo, ambiente físico e natureza. Mais do que isso, muitos apontam que pode existir uma "necessidade primitiva" de natureza, que foge da percepção consciente, e que, quando não é suprida, pode afetar o funcionamento de alguns sistemas no nosso organismo sem nos darmos conta. Este é o assunto que discutiremos neste artigo.



Um termo que está cada vez mais popular para traduzir essa tal necessidade primitiva de natureza é biofilia. Esta palavra vem do grego: bio é vida e filia é amor ou sentimento amigável. Mas, por conta do trabalho do biólogo Edward O. Wilson, essa palavra vem sendo usada para representar a tendência humana de interagir e se conectar a outras formas de vida na natureza (Wilson, 1984).


Foi a partir da década de 1980 que começaram a surgir alguns estudos que são referência até hoje e que aceleraram o reconhecimento da biofilia tanto entre a comunidade científica como também entre designers e arquitetos. Em 1984, Roger Ulrich, um dos mais influentes pesquisadores do Evidence-based Design (design baseado em evidências), publicou um artigo sobre a influência da vista da janela em quartos hospitalares na recuperação dos pacientes. Através de vários experimentos, ele observou que aqueles pacientes em quartos com vista para paisagens naturais tinham recuperação acelerada e sentiam menos dor do que aqueles em quartos com vista para um muro (Ulrich, 1984). Ou seja, não só o design do ambiente estava afetando o organismo dos pacientes em níveis que fogem à percepção consciente, como a presença (ou ausência) de natureza teve forte influência nestes efeitos.


Com o passar dos anos, novos estudos foram sendo feitos para investigar os efeitos da presença e da ausência da natureza em diferentes contextos. A grande maioria destas pesquisas aponta para a mesma direção: nós temos uma necessidade inata de natureza. Não apenas isso, mas a natureza desempenha um importante papel no controle dos níveis de estresse do organismo. Em outras palavras, o contato com a natureza, entre outras coisas, ajuda a diminuir o estresse, facilitando o relaxamento.


Isso está alinhado com uma teoria proposta por Ulrich, que ele chamou de Teoria da Redução do Estresse (Ulrich et al, 1991). Vários estudos, conduzidos por ele e por outros pesquisadores, indicam que o contato com a natureza, em diferentes contextos, pode ajudar a nos acalmar. E, claro, quando estamos mais calmos, nossa percepção, nossa cognição e o comportamento de uma forma geral são afetados.


Pesquisas feitas em prisões apontam que mesmo os prisioneiros mais violentos, ao assistirem vídeos de natureza, tendem a apresentar comportamentos menos agressivos (Nadkarni et al., 2017). Pesquisas com idosos com Alzheimer apontam que aqueles com mais acesso à jardins também apresentam menores níveis de agressividade (Mooney & Nicell, 1992). Estudos em condomínios indicam que o senso de comunidade é maior e o relacionamento entre vizinhos é mais positivo entre os moradores de apartamentos voltados para áreas com maior presença de natureza do que entre os moradores de apartamentos voltados para áreas mais áridas (Goldhagen, 2017).


Tal necessidade inata não está apenas relacionada ao sentido da visão, como muitas vezes tendemos a acreditar. Isto é, não precisamos apenas ver natureza, e sim percebê-la através de todos os nossos sentidos. Por exemplo, estudos realizados no Japão compararam os efeitos do toque em diferentes materiais como madeira, metal e azulejos, entre outros, e constataram que ao tocar a madeira o sistema nervoso parassimpático tende a se tornar mais ativo. Isso significa que os níveis de estresse do nosso corpo tendem a diminuir, facilitando o relaxamento, e isso também pode ser desencadeado pelo estímulo tátil de alguns materiais naturais. Detalhe importante: isso foi observado mesmo quando os participantes mantinham os olhos fechados (portanto, sem nenhum estímulo visual!), apenas tocando a madeira com a palma da mão (Ikei et al., 2017). Outro exemplo interessante são os estudos que investigam os efeitos de aspirarmos, através da respiração, substâncias voláteis emitidas pelas bactérias no solo. Segundo tais estudos, essas substâncias têm o potencial de estimular o aumento na produção de serotonina no organismo, substância associada à sensação de bem-estar e felicidade (Lowry et al., 2007).


Agora que entendemos um pouco mais sobre os efeitos positivos do contato com a natureza, talvez você esteja se perguntando: quais os efeitos no nosso organismo quando essa necessidade primitiva e universal não é suprida? Entre os vários efeitos que poderíamos apontar aqui, um dos que merece maior destaque está relacionado à nossa saúde mental. Estudos comparando pessoas que vivem em áreas rurais ou vilarejos com aquelas que vivem em grandes centros urbanos (e consequentemente, entre outras coisas, têm menor contato com a natureza) apontam que, quando a necessidade primitiva de natureza não é suprida, os riscos de desenvolver transtornos mentais, bem como comportamentos neuróticos e anti-sociais, tendem a aumentar (Kühn et al, 2017).


Como, então, podemos ajudar a suprir essa necessidade de natureza? A primeira resposta a essa pergunta envolve a arquitetura e o design: podemos trazer mais natureza para os espaços. Mas, cuidado, isso não se resume apenas a inserir vasos de planta nos ambientes. Muito pelo contrário, o design biofílico, cuja proposta é exatamente a de reaproximar as pessoas da natureza através do design, aponta para várias estratégias que devem ser combinadas para criar espaços melhores e mais saudáveis para os mais diferentes tipos de público. Tais estratégias variam desde o aumento da presença de vegetação, até o uso de outros elementos de natureza, como a água ou animais, o uso de formas mais orgânicas, como os fractais, materiais naturais ou que simulem a natureza, organização espacial e complexidade de estímulos multisensoriais inspirados na natureza, entre outras. A outra resposta a essa pergunta envolve a comunicação: nós precisamos informar e orientar as pessoas a usarem os diferentes ambientes do seu dia-a-dia da melhor maneira possível. Muitas vezes não damos valor à algumas qualidades ambientais porque não fazemos ideia da importância delas. Por isso, entender os "porquês" e os efeitos de determinadas características do ambiente pode ajudar as pessoas a passarem mais tempo em espaços melhores.


A relação entre NeuroArquitetura, biofilia e design biofílico não se esgota no que discutimos até aqui. Por isso, em breve voltaremos a analisar outras questões relacionadas ao tema e que podem ajudar os arquitetos e designers a suprirem nossa necessidade primitiva de natureza!

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Referências:


Goldhagen, S. W. (2017). Welcome to your world: how the built environment shapes our lives. First edition. New York, NY: Harper, an imprint of HarperCollinsPublishers.


Ikei, H., Song, C., & Miyazaki, Y. (2017). Physiological Effects of Touching Wood. International journal of environmental research and public health, 14(7), 801.


Kühn, S., Düzel, S., Eibich, P., Krekel, C., Wüstemann, H., Kolbe, J., Martensson, J., Goebel, J., Gallinat, J., Wagner, G., Lindenberger, U. (2017) In search of features that constitute an “enriched environment” in humans: Associations between geographical properties and brain structure. Scientific Reports; 7 (1)


Lowry, C. A., Hollis, J. H., de Vries, A., Pan, B., Brunet, L. R., Hunt, J. R., Paton, J. F., van Kampen, E., Knight, D. M., Evans, A. K., Rook, G. A., … Lightman, S. L. (2007). Identification of an immune-responsive mesolimbocortical serotonergic system: potential role in regulation of emotional behavior. Neuroscience, 146(2), 756-72.


Mooney, P., & Nicell, P. L. (1992). The importance of exterior environment for Alzheimer residents: Effective care and risk management. Healthcare Management Forum, 5(2), 23-29.


Nadkarni, N., Hasbach, P., Thys, T., Crockett, E., & Schnacker, L.E. (2017). Impacts of nature imagery on people in severely nature-deprived environments. Frontiers in Ecology and the Environment, 15, 395-403.


Ulrich R. S. (1984). View through a window may influence recovery from surgery. Science (New York, N.Y.), 224(4647), 420–421.


Ulrich, R. S., Simons, R. F., Losito, B. D., Fiorito, E., Miles, M. A., & Zelson, M. (1991). Stress recovery during exposure to natural and urban environments. Journal of Environmental Psychology, 11(3), 201–230. https://doi.org/10.1016/S0272-4944(05)80184-7


Wilson, E. O. (1984). Biophilia. Cambridge, Mass: Harvard University Press.




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