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Epigenética e NeuroArquitetura: até onde o meio pode nos impactar?

Por Andréa de Paiva


Você sabia que o meio onde se insere pode gerar efeitos no seu organismo não apenas no nível anatômico e no funcional, mas também no molecular? Será que o ambiente pode interferir no funcionamento dos nossos genes? Esse é o campo de pesquisa da epigenética, uma área da ciência que vem crescendo muito nos últimos anos. No artigo de hoje, vamos discutir as interseções de duas áreas que têm muito a dialogar: a epigenética e a NeuroArquitetura.

DNA
Image by lisichik from Pixabay

O DNA, aquela famosa estrutura em hélice, contém as informações genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos. É através dele que as características hereditárias de cada ser vivo são transmitidas para as gerações seguintes. Ele é formado por uma combinação de genes, conhecida como genótipo, que representa o conjunto de potencialidades para o desenvolvimento. Essa combinação de genes é única para cada indivíduo. A exceção a essa regra são os gêmeos idênticos, que se desenvolvem de um mesmo zigoto. Sendo univitelinos, eles possuem as mesmas instruções genéticas. Mas, ainda assim, mesmo os gêmeos idênticos se comportam e se desenvolvem de maneira diferente. Por quê?


Perguntas como essa fazem parte da área que tanto interessou o embriologista Conrad Waddington, considerado o "pai" da epigenética: a influência do ambiente no desenvolvimento dos embriões, resultando em diferenças nos indivíduos mesmo quando o genótipo é idêntico. Essas desigualdades acontecem porque a interação do genótipo com o meio é única para cada indivíduo e, consequentemente, as respostas epigenéticas resultantes também. Mesmo no ambiente do útero da mãe, cada um dos gêmeos tem uma interação diferente com aquele meio, o que resulta, entre outras coisas, nas diferenças da impressão digital de indivíduos que compartilham a mesma combinação genética [1].


Atualmente, a epigenética não é restrita apenas ao contexto do desenvolvimento de embriões. O ambiente (físico e social) no qual nos inserimos - assim como nossos hábitos individuais - interage com o nosso genótipo e influencia alterações epigenéticas.

Modificações epigenéticas, no geral, são acontecimentos comuns no nosso organismo. Contudo algumas alterações específicas fogem daquelas mais comuns e podem levar ao desenvolvimento de distúrbios.


Mas o que se sabe sobre a relação da arquitetura e do urbanismo com a epigenética? Será que os espaços que estamos projetando estão impactando no funcionamento de alguns dos genes dos nossos usuários? Como essa é uma área complexa de ser estudada, nós ainda não temos todas as respostas, mas estudos conduzidos desde meados do século XX apontam numa direção interessante para a NeuroArquitetura.


São várias as pesquisas que mostram que uma grande parcela dos casos de esquizofrenia pode estar relacionada ao estilo de vida do ambiente urbano (hábitos individuais, ambiente físico e social). Apesar de haver um debate acirrado sobre causa (se o ambiente urbano poderia causar psicoses) e seleção (se indivíduos com mais risco de desenvolver psicose passam a viver em centros urbanos), uma combinação de estudos recentes vem revelando que é mais provável que haja uma interação genoma-ambiente. Para aqueles que possuem um determinado tipo de combinação de genes, ou seja, uma pré disposição genética, alterações epigenéticas podem ativar a manifestação da esquizofrenia.


Os primeiros estudos a apontarem uma relação entre o aumento nos casos do transtorno e a área da cidade onde se vive foram da década de 1930. Robert Faris e Warren Dunham, por exemplo, compararam diferentes regiões sócio-econômicas de Chicago e perceberam que a maior concentração dos casos de esquizofrenia se dava no centro da cidade e diminuía progressivamente quanto mais se afastava dele, com exceção de algumas áreas deterioradas da periferia [2]. Mas, naquela época, a comunidade científica estava mais inclinada para a hipótese da seleção, na qual indivíduos inclinados a desenvolver transtornos mentais escolheriam viver próximos ao centro da cidade.


Na década de 1990, porém, pesquisadores de diferentes localidades fizeram estudos sobre esse mesmo tema, e, dessa vez, as técnicas utilizadas permitiram questionar a crença dominante da hipótese da seleção. Estudos realizados da Suécia e na Dinamarca, por exemplo, ao invés de focarem no "lugar onde se vive", contemplaram o "lugar de criação" e "lugar de nascimento", respectivamente. Em ambos os casos, eles compararam regiões de cidade grande com zonas rurais [3]. E os resultados foram semelhantes àqueles obtidos nos estudos de Faris e Dunham: existe uma relação entre a incidência de psicoses e o grau de urbanização do meio onde ele se insere. No caso dessas pesquisas, elas confirmaram que o número de pessoas que desenvolvem transtornos mentais como a esquizofrenia é proporcionalmente maior em cidades mais urbanizadas do que em zonas rurais.


Ainda é grande o debate sobre epigenética e como o meio externo pode impactar no desenvolvimento de transtornos como a esquizofrenia e não existem respostas muito claras. Mas os vários estudos realizados nas últimas décadas vêm apontando para algumas características específicas do meio urbano como elementos importantes nessa relação do ambiente com o nosso organismo. Destacam-se, principalmente, a urbanicidade e densidade populacional [4]. Quando discutimos hipóteses como a da biofilia, faz bastante sentido supor que a urbanicidade gere impactos tão profundos no nosso organismo. O mesmo vale para o forte adensamento populacional, conforme discutimos no artigo O Que O NeuroUrbanismo Nos Ensina Sobre Nossas Cidades.


Vale destacar dois pontos importantes sobre a epigenética: primeiro ela não envolve mudança na sequência do DNA (a combinação de genes continua sendo a mesma ao longo da nossa vida, o que muda é o funcionamento individual de alguns genes, que podem se ativar ou não dependendo de como somos estimulados); segundo, o meio só pode impactar elementos já presentes no nosso genótipo. Isto é, é preciso haver uma predisposição genética, a combinação de genes responsável pelo desenvolvimento de qualquer característica precisa estar presente no nosso DNA. No caso específico da esquizofrenia, sem a predisposição genética, o indivíduo não vai desenvolvê-la, independente do meio onde esteja.


Apesar do debate ainda existir e da necessidade de que sejam realizados novos estudos que ajudem a explicar essa hipótese, as pesquisas já existentes apontam numa direção que não pode ser ignorada por arquitetos, designers e urbanistas: o ambiente pode impactar na manifestação dos nossos genes. Além disso, áreas ainda mais recentes, como a epigenética transgeracional, apontam para a possibilidade de que uma parcela dessas alterações no funcionamento dos genes possa ser transmitida para as futuras gerações. Será que alguns dos efeitos que os espaços que projetamos geram podem ser passados para nossos filhos? Esse assunto é bastante complexo e, por ser tão recente, nós ainda não temos respostas muito claras, mas voltaremos a discuti-lo num próximo artigo!


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Referências: [1] Speybroeck, L. (2002) From Epigenesis to Epigenetics. Annals of the New York Academy of Sciences. Volume981, Issue1


[2] Farris, R., Dunham, HW. (1939) Mental Disorders in Urban Areas. Review by: James S. Plant. American Journal of Sociology, Vol. 44, No. 6 (May, 1939), pp. 999-1001


[3] Mortensen, PB, Pedersen, CB, Westergaard, T., Wohlfahrt, J., Ewald, H., Mors, O., Andersen PK., Melbye, M. (1999) Effects of Family History and Place and Season of Birth on the Risk of Schizophrenia. Boston Medical and Surgical Journal1999 / 02 Vol. 340; Iss. 8


[4] Krabbendam, L. e van Os, J. (2005) Schizophrenia and urbanicity: a major environmental influence--conditional on genetic risk. Schizophr Bull. 2005 Oct;31(4):795-9.



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