Consciência Emocional e o Ambiente Físico: contribuições da neuroarquitetura
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Consciência Emocional e o Ambiente Físico: contribuições da neuroarquitetura

Por Andréa de Paiva



Consciência emocional é a capacidade de identificar as emoções que experimentamos. Já a inteligência emocional é a habilidade de identificar, acessar e, de certa forma, regular as emoções através da reflexão ao invés de agir no impulso no calor do momento [1]. Discussões sobre esses temas vêm ganhando cada vez mais espaço na ciência, como foi possível observar no evento Science & Wisdom of Emotions [2], que aconteceu em maio de 2021 e contou com participantes como Paul e Eve Ekman, Daniel Golleman, Alan Wallace e até mesmo o Dalai Lama. Neste artigo, vamos abordar possíveis contribuições da NeuroArquitetura para esse campo de conhecimento que é tão importante para o bem-estar e a felicidade: a inteligência emocional.

NeuroArquitetura e Inteligência Emocional
Image by Gerd Altmann from Pixabay

Antes de mais nada, vamos ressaltar aqui algumas informações importantes quando o assunto é emoção. Apesar deste ser um assunto que não foi inteiramente desvendado pela ciência, já existe consenso em relação à varias de suas características. Por isso, selecionamos três delas para destacar.


A primeira é que os estudos pioneiros conduzidos por Paul Ekman com membros de uma cultura isolada da Nova Guiné (South Fore) revelaram que mesmo pessoas que vivem sem influência de outras culturas apresentam expressões faciais semelhantes àquelas de sociedades influenciadas pela globalização. "A capacidade dos americanos de compreender essas expressões da Nova Guiné não pode ser atribuída ao contato anterior entre estes grupos ou a ambos tendo aprendido suas expressões através da mídia de massa" [3, p.712]. Portanto, é possível afirmar que existem emoções que são universais, inatas. Ou seja, emoções que existem independentemente de influências culturais.


Outra característica das emoções é que elas levam à ação. A própria etimologia da palavra sugere uma direção externa a partir do corpo: “movimento para fora”. As emoções desempenham um importante papel na seleção de respostas de adaptação às situações que vivenciamos [4]. Até mesmo na economia comportamental, trabalhos como os de Amos Tversky e Daniel Kahneman demonstram que nossas decisões do dia a dia são menos influenciadas por um "raciocínio objetivo" e mais influenciadas por processos automáticos controlados por um sistema de pensamento rápido do qual as emoções fazem parte [5].


Por fim, uma terceira característica das emoções é que todas elas podem nos levar a uma reação positiva ou negativa. Mesmo emoções consideradas naturalmente negativas, como a raiva, podem gerar resultados construtivos (por exemplo, ao observar uma situação injusta, a raiva pode nos levar a tentar mudá-la). Por outro lado, emoções positivas, como a alegria, também podem nos levar a ações destrutivas (como quando alguém sente prazer ao observar o sofrimento de outra pessoa). Ou seja, toda emoção é importante (inclusive para nossa sobrevivência) e o que varia entre positivo ou negativo é a reação que apresentamos quando sentimos a emoção e não a emoção em si [6].


Para quem quiser saber mais sobre isso, vale a pena dar uma olhada no Atlas das Emoções [6], um projeto que envolveu a participação de Paul e Eve Ekman e do Dalai-lama. Eles criaram um "mapa" das emoções, subdividindo-as em 5 etapas: pré-condição, gatilho, estado emocional, ação (construtiva ou destrutiva) e pós-condição. Para este artigo, vamos focar nos dois estágios iniciais.

Emotional Episode Timeline - Atlas of Emotions. Access at: atlasofemotions.org
Linha do Tempo do Episódio Emocional - Atlas of Emotions. Acesse em: atlasofemotions.org

Segundo o atlas, o evento que serve de gatilho para a emoção pode ser "uma pessoa, lugar, situação, imagem, pensamento, memória, cheiro, som, gosto ou ideia que encontramos do mundo exterior ou de nossa própria mente". A nossa reação a esse evento varia individualmente. Ou seja, ele pode ser um gatilho para alguns e, para outros, não. Isso vai depender da combinação de vários fatores, como por exemplo as memórias aprendidas de cada um.


Essa é a primeira correlação que podemos fazer com o ambiente físico onde nos inserimos: ele pode ser um gatilho para as emoções. Mas isso não é novidade. Não é preciso ser arquiteto ou designer para identificar que uma visita ao Coliseu pode gerar um arrepio na espinha de emoção. Ou que andar sozinho numa rua escura de noite pode gerar medo. Ou ainda que ficar numa sala abafada ou com um cheiro ruim pode gerar nojo. Mas precisamos ter em mente que nem todo gatilho é facilmente reconhecido conscientemente. De acordo com Paul Ekman, "a avaliação que desencadeia uma emoção pode ser muito complexa, mas frequentemente envolve processos mentais muito rápidos que estão operando de uma maneira que a consciência não pode entrar" [7, p. 68].


Mas existe uma outra correlação importante entre o ambiente físico e nossas emoções: além de poder atuar como um gatilho para elas, o ambiente também afeta nossa "pré-condição". Segundo o Atlas das Emoções, a pré-condição é um contexto ou situações que podem influenciar a maneira como vivenciamos a emoção. A pré-condição pode ser fisiológica (estar com fome ou cansado) ou emocional (ter tido um dia muito agradável ou ter acabado de discutir com um amigo ou de ganhar uma promoção no trabalho, por exemplo).


Esse "contexto" que gera a pré-condição inclui o ambiente onde estamos e como ele está nos afetando. Isto é, nossa condição, fisiológica e emocional, também é continuamente afetada pelo ambiente físico. Fatores como a iluminação [8], a presença de janelas [9], a ventilação, os sons, os cheiros, as formas e texturas, as cores, a presença de natureza [10], o layout e até mesmo a altura do pé-direito [11] são exemplos de características do ambiente físico que podem alterar nossa condição. Sendo assim, é possível afirmar que o ambiente, além de afetar diretamente as emoções, também tem o potencial de, indiretamente, impactar na nossa reação à emoção ao alterar nossa pré-condição.


Mas, se identificar os gatilhos já não é uma tarefa fácil, perceber essas alterações que o ambiente gera na nossa pré-condição é ainda mais desafiador. Contudo, a identificação do ambiente físico como um elemento que nos afeta pode ser um importante passo para desenvolvermos nossa inteligência emocional. Se nós conseguirmos perceber o impacto que o ambiente tem no nosso organismo, nós podemos transformar os espaços a nosso favor. Isso vale tanto para arquitetos e designers, que podem criar ambientes com foco nos efeitos de curto e de longo prazo que estes geram no organismo [12], como também vale para os próprios usuários do espaço em questão. Por exemplo, se eu identifico que trabalhar o dia todo com a persiana fechada está me deixando mais para baixo e sem energia, eu posso abri-la. Ou se eu percebo que os sons do ambiente estão elevando meus níveis de stress ou me desconcentrando, eu posso buscar uma alternativa, seja a adoção de uma máscara de som, a inclusão de uma barreira acústica ou de materiais que absorvam o som ou mesmo mudar de ambiente para um lugar mais silencioso.


Porém, esses impactos podem ser muito sutis e, muitas vezes, não são imediatos, não acontecendo assim que entramos no ambiente em questão. Mais crítico do que isso é que muitas vezes nós nos habituamos às condições que o ambiente nos oferece, diminuindo a sensação de incômodo, mas não necessariamente reduzindo os efeitos fisiológicos no nosso organismo. Isto é, nós deixamos de perceber, mas o ambiente não deixa de nos impactar [13]. Isso dificulta ainda mais a identificação de que o lugar onde estamos está afetando nossa pré-condição e nossas emoções. Nesse sentido, para tentar elevar nossa capacidade de perceber os impactos do ambiente, nós sugerimos três soluções:

  • A primeira é a atenção para o nosso estado emocional interno (consciência emocional, que mencionamos no início do artigo);

  • A segunda é a atenção para o ambiente, afinal, nós não podemos ignorar que o espaço ao nosso redor tem influência sobre nós. Reconhecer isso é um passo importante para inteligência emocional. Ao invés de nos julgarmos tão drasticamente quando não conseguimos controlar nossas emoções, podemos nos dar conta de que o ambiente físico pode estar dificultando essa tarefa;

  • Por fim, a terceira opção é o conhecimento: precisamos entender mais a fundo como diferentes características físico-sensoriais dos ambientes podem nos afetar. Por isso estudos no campo da NeuroArquitetura são tão importantes.

O ambiente físico é um dos elementos que moldam nossas emoções e como lidamos com elas. Mas somos nós aqueles que moldam nossos ambientes (mesmo quem não é arquiteto ou designer pode controlar algumas características dos espaços que ocupa, ou optar por mudar de ambiente). Ainda assim, é importante apontar que o ambiente não deve ser usado como uma desculpa para como lidamos com nossas emoções, até porque seus efeitos no organismo resultam de uma série de fatores que vão além do espaço em si, como por exemplo fatores genéticos, memórias culturais e experiências individuais anteriores. Mas, ao termos ciência dos impactos que o ambiente físico pode gerar em como lidamos com nossas emoções, podemos trabalhar não apenas o auto-controle, mas o controle do espaço. Transformá-lo quando for possível ao invés de apenas aceitar passivamente um ambiente que, de alguma forma, possa estar nos prejudicando emocionalmente ou dificultando nossa regulação emocional. Como disse Laurie Santos no evento Science & Wisdom of Emotions, “a felicidade não vem das circunstâncias, vem dos comportamentos”. Ao transformar nosso ambiente, nós podemos elevar o bem-estar e facilitar a regulação emocional, favorecendo o equilíbrio psicológico e a percepção de felicidade. Quer saber mais sobre o tema? Siga a gente no Facebook ou Instagram! =)


Referências:


[1] Mayer, J. D., & Salovey, P. (1997). What is emotional intelligence? In P. Salovey & D. J. Sluyter (Eds.), Emotional development and emotional intelligence: Educational implications (p. 3–34). Basic Books.


[2] https://www.scienceandwisdomofemotions.com/summit-home-2021/


[3] Ekman, P., Friesen, W. V., O'Sullivan, M., Chan, A., Diacoyanni-Tarlatzis, I., Heider, K., Krause, R., LeCompte, W. A., Pitcairn, T., & Ricci-Bitti, P. E. (1987). Universals and cultural differences in the judgments of facial expressions of emotion. Journal of personality and social psychology, 53(4), 712–717.

[4] Damasio, A. R. (1994). Descartes' error: emotion, reason, and the human brain. New York: G.P. Putnam.


[5] Kahneman, D. (2011). Thinking, fast and slow. Farrar, Straus and Giroux.


[6] Ekman, P. & Ekman, E. Supported by the Dalai Lama. http://atlasofemotions.org/


[7] Ekman, P. (2008). Emotional awareness: overcoming the obstacles to psychological balance and compassion : a conversation between the Dalai Lama and Paul Ekman. New York: Times Books.


[8] Shishegar, N., & Boubekri, M. Natural Light and Productivity : Analyzing the Impacts of Daylighting on Students ’ and Workers ’ Health and Alertness.


[9] Ulrich R. S. (1984). View through a window may influence recovery from surgery. Science (New York, N.Y.), 224(4647), 420–421.


[10] Kellert, S., Heerwagen, J., Mador, M. (2008). "Biophilic Design: The Theory, Science and Practice of Bringing Buildings to Life". Nova York: Wiley.


[11] Meyers-Levy, J., Zhu, R. (2004) The Influence of Ceiling Height: The Effect of Priming on the Type of Processing That People Use. Journal of Consumer Research.



[13] Goldhagen, S. W. (2017). Welcome to your world: how the built environment shapes our lives. First edition. New York, NY: Harper, an imprint of HarperCollinsPublishers.


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