NeuroArquitetura e Ambientes com Foco na Criatividade
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NeuroArquitetura e Ambientes com Foco na Criatividade

Por Andréa de Paiva


Até que ponto o ambiente onde estamos pode influenciar nossa forma de pensar? A neurociência vem nos mostrando que além de influenciar nossa percepção e nosso comportamento, o ambiente tem o potencial de afetar também nossa forma de pensar. O conjunto de características físico-sensoriais do espaço pode afetar nosso estado mental, estimulando, entre outras coisas, o pensamento mais analítico e lógico ou o pensamento mais criativo e imaginativo. Você já experimentou, em algum momento que se sentiu "travado" em uma atividade - como ao escrever um relatório ou ao tentar criar uma solução para um problema -, mudar de ambiente e tentar resolvê-la em outro lugar? É comum que esse "bloqueio criativo" diminua ao mudarmos de ambiente na hora de criar, o que nos ajuda a perceber como o ambiente pode nos influenciar. Mas quais características do ambiente podem afetar nosso estado mental e impactar de tal maneira na nossa performance? Esse é o tema que discutiremos neste artigo.

criatividade e neuroarquitetura
Image by Gerd Altmann from Pixabay
Laboratório neuroarquitetura
Laboratório. Image by Michal Jarmoluk from Pixabay

Você lembra da história por trás da criação da vacina da polio? O ambiente foi extremamente importante para que o cientista Jonas Salk conseguisse ter o insight que o permitiu criar essa vacina que ajudou a salvar tantas vidas. Foi quando ele resolveu sair do ambiente do laboratório e passar um tempo no Mosteiro de Assis, na Itália, que ele teve o insight para a criação da vacina. Essa experiência que ele viveu na década de 1950 o levou, décadas depois, a idealizar a criação da ANFA, a Academia de Neurociência para Arquitetura, que fica no Instituto Salk, na Califórnia [1].


Mosteiro de são Franscisco de Assis, NeuroArquitetura
Mosteiro de são Franscisco de Assis, Itália. Fonte: wikipedia

Comparando o ambiente tradicional de um laboratório com o ambiente do mosteiro, é possível notar diferenças significativas: a amplitude e a paisagem do entorno estão entre as mais marcantes. Mas, claro, dificilmente teremos a chance de criar um espaço como este nas nossas empresas ou escolas para estimular a criatividade de colaboradores e alunos, por exemplo. Então o que a ciência cognitiva nos diz sobre diferentes características dos ambientes que podem estimular as pessoas a pensarem fora da caixa e terem novos insights?


Utilizar o famoso “efeito catedral” é um bom começo. Esse termo foi cunhado por Edward T Hall nos anos 1960 [2]. Ele percebeu que havia uma diferença de sensações ao entrar numa capela, que é mais contida, ou numa catedral. Enquanto a primeira estimula um estado de mais introspecção, a segunda favorece emoções mais intensas, até mesmo um arrepio na espinha. Atualmente, estudos mais recentes revelam que o pé-direito mais alto pode contribuir para estados mentais mais criativos. Segundo Joan Meyers-Levy e Rui Zhu, o pé-direito alto permite uma maior sensação de liberdade, o que facilita pensamentos mais abstratos e percepções mais holísticas e relacionais, características importantes para a criatividade. Já o pé-direito baixo contribui para estados mentais de maior foco e concentração, facilitando o pensamento analítico [3].


Contudo, pensar apenas a altura do pé-direito pode não ser suficiente dado que o pé-direito não é a única característica do ambiente que pode afetar a criatividade. Especialmente porque o ambiente contém vários elementos sensoriais que atuam em conjunto e não isoladamente. Ou seja, se outros elementos não forem levados em consideração da mesma maneira, eles podem até mesmo atrapalhar os efeitos que a altura do teto pode induzir [4].


A iluminação dos ambientes, por exemplo, é um fator que influencia significativamente nossos estados mentais . Antes de mais nada, vários estudos apontam para a importância da iluminação natural para regular o ciclo circadiano (nosso relógio biológico) [4]. A luz natural contribui para que nosso organismo atinja seu pico de energia, atenção e produtividade durante o dia e o pico de relaxamento de noite, o que permite um sono de qualidade ao dormir. Alguns estudos vêm discutindo a importância do sono REM para a criatividade e a resolução de problemas [5]. Isto é, a iluminação dos ambientes é importante tanto no sentido de deixar as pessoas mais alertas e atentas durante o dia como no sentido de estimular o funcionamento adequado do nosso relógio biológico, favorecendo uma boa noite de sono, que é um elemento tão importante para a criatividade.


Além disso, outros estudos no campo da NeuroArquitetura vêm mostrando que espaços mais escuros também podem estimular estados mentais mais criativos. Ambientes mais escuros podem favorecer maior liberdade de restrições, permitindo pensamentos mais holísticos e exploratórios, que por sua vez facilitam a criatividade. Um estudo conduzido por Anna Steidle e Lioba Werth revelou que os participantes apresentavam pensamentos mais criativos quando a iluminação diminuía e mais analíticos e lógicos quando o ambiente estava mais claro e bem iluminado [6]. Isso significa que, em casos específicos, apagar as luzes ou criar espaços com iluminação mais amena pode contribuir para que o pensamento criativo flua com maior facilidade. Mas, cuidado, passar muito tempo num lugar escuro, além de prejudicar a visão, vai estimular a produção de melatonina, levando e níveis mais baixos de energia. Por isso, essa estratégia deve ser utilizada de maneira pontual, em situações específicas, como numa reunião de brainstorm.


Apesar de associarmos criatividade com o cérebro, nosso corpo pode afetar diretamente seu funcionamento. Portanto, o próximo elemento a ser considerado num espaço com foco em estimular a criatividade é o corpo, principalmente o corpo em movimento. Este é mais um aliado na hora de projetarmos espaços que estimulem a criatividade. Caminhadas ajudam a estimular o pensamento criativo tanto enquanto caminhamos como imediatamente depois [6]. Não é à toa que Aristóteles fundou a Escola Peripatética (peripatético significa "ambulante" ou "itinerante", na qual seus discípulos tinham aula ao ar livre (sim, a natureza também estimula a criatividade) e caminhavam com ele enquanto discutiam filosofia. Caminhar permite um fluxo mais livre de pensamentos, o que pode facilitar insights e conexões entre ideias [7]. Além disso, caminhadas ajudam a oxigenar o cérebro e a melhorar o humor, estimulando a produção de substâncias como a serotonina e a dopamina [8]. Nesse sentido, o layout dos ambientes, as estratégias de comunicação no piso e o posicionamento de escadas e elevadores, por exemplo, podem induzir caminhadas mais longas e o uso das escadas.


Por fim, quanto mais os arquitetos e designers ampliarem sua zona de conhecimento para contemplar os insights trazidos pela NeuroArquitetura, maiores serão as chances de criarem ambientes ainda mais eficientes. As características do ambiente que estimulam estados mentais de maior criatividade não se resumem àquelas discutidas aqui. Outros elementos, como a presença de natureza, a vista das janelas, as cores e demais estímulos sensoriais que chegam através de outros sentidos além da visão e as oportunidades de ação de cada ambiente também podem influenciar a criatividade. E todos esses elementos afetam o cérebro de maneira conjunta e não apenas individualmente [9]. Por isso, quanto mais elementos forem combinados, maiores são as chances de que o espaço criado impacte seus usuários da maneira intencionada. Por outro lado, enquanto alguns dos estímulos podem estar favorecendo um determinado estado mental, outros, presentes no mesmo ambiente, podem estar gerando efeitos contrários. Por isso pensar em aplicar apenas um desses elementos pode não ser eficiente [9]. É importante conhecer a NeuroArquitetura de uma maneira mais profunda, de modo a compreender a interação entre os vários estímulos do ambiente e não apenas seus efeitos individuais.


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Referências:


[1] Eberhard, J, P. (2008) Brain Landscape: The Coexistence of Neuroscience and Architecture. Oxford: Oxford University Press.

[2] Edward, T. H. (1966) The hidden dimension. New York: Doubleday

[3] Meyers-Levy, J., Zhu, R. (2004) The Influence of Ceiling Height: The Effect of

Priming on the Type of Processing That People Use. Journal of Consumer Research.

[4] Paiva, A. Neuroscience for Architecture: How Building Design Can Influence Behaviors and Performance. Journal of Civil Engineering and Architecture 12(2)

[4] Bedrosian, T., Nelson, R. (2017) Timing of light exposure affects mood and brain circuits. Transl Psychiatry. 2017 Jan 31;7(1):e1017.

[5] Lewis PA, Knoblich G, Poe G. (2018) How Memory Replay in Sleep Boosts Creative Problem-Solving. Trends Cogn Sci. 22(6):491-503. doi: 10.1016/j.tics.2018.03.009. PMID: 29776467; PMCID: PMC7543772.

[6] Steidle, A., Werth, L. (2013) Freedom from constraints: Darkness and dim illumination promote creativity. Journal of Environmental Psychology Volume 35, September 2013, Pages 67-80

[7] Oppezzo, M., Schartz, D. (2014) Give Your Ideas Some Legs: The Positive Effect of Walking on Creative Thinking. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition, Vol. 40, No. 4, 1142–1152

[8] Suzuki, W. (2017) Os benefícios transformadores da atividade física para o cérebro. TED Women 2017

[9] Spence, C. (2020) Senses of Place: Architectural Design for the Multisensory Mind. Cognitive Research: Principles and Implications (CRPI)






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