Por Andréa de Paiva e Fabio Menezes
Uma das experiências mais interessantes ao viajar para o exterior é experimentar o transporte público para ter uma vivência mais próxima da cultura local. Podemos citar o metrô de Nova York, com sua aparência de malcuidado, atrasos nos trens e frequentes performances de break dance. Há também o metrô de Londres, o mais antigo do mundo, com estações datando do século XIX, com os tradicionais telões indicando o horário em que passará o próximo trem, as linhas que se bifurcam e os assentos estofados. Mas e o metrô russo? Para quem não conhece, o primeiro contato é impactante e surpreendente. As estações, principalmente as de Moscou, são tão bonitas que parecem museus. Por que elas foram construídas assim? E qual a relação disso tudo com a NeuroArquitetura? No artigo de hoje vamos falar um sobre as mensagens que a arquitetura pode passar e como isso pode ser usado para gerar impactos inconscientes no cérebro e no comportamento.
Como dissemos, as estações do metrô russo são verdadeiras obras de arte. Das mais antigas às mais modernas, todas elas possuem uma identidade própria e muito, mas muito luxo mesmo. A estação Ploshchad Revolyutsii, a mais próxima da Praça Vermelha, por exemplo é decorada com 72 estátuas que representam o povo da União Soviética, desde soldados e artistas até jogadores de futebol. A estação Partizanskaya tem sua decoração remetendo àqueles que lutaram contra os nazistas na 2a Guerra Mundial. A estação Sportivnaya, próxima do Estádio Luzhniki (o antigo estádio olímpico de Moscou) apresenta murais em alusão aos Jogos Olímpicos. Outras estações, embora não possuam um “tema”, possuem decorações particulares e únicas, com lindos murais, lustres e colunas de mármore.
Se considerarmos que as primeiras estações de metrô na Rússia foram construídas durante o período soviético, fica mais fácil entender como o governo comunista soube usar a arquitetura para passar a mensagem de seu interesse. A base do pensamento comunista defende uma sociedade igualitária, sem classes sociais, e baseada na propriedade comum dos meios de produção. Ainda que o poder de fato estivesse nas mãos de alguns, a ideologia por trás era tirar o poder das mãos das minorias de classes mais altas e dividi-lo com o povo (proletariado). Sendo assim, um dos objetivos das lideranças comunistas era fazer com que o povo ao mesmo tempo se sentisse importante, parte da engrenagem que faz o país girar, e membro de um Estado forte e glorioso, para o qual cada cidadão deveria contribuir [1]. Nesse sentido, houve enormes investimentos na criação de espaços públicos que demostrassem esse ideal. As grandes avenidas, os parques bem distribuídos e, finalmente, as estações de metrô, um dos principais meios de transporte do povo.
Assim, as estações eram usadas como um meio de comunicação dos detentores do poder com a população. Através delas, eles contavam a história da Revolução, eles mostravam como o povo russo era batalhador, importante, e contribuía para a sociedade, cada um com seu papel. Ainda mais do que isso, as luxuosas e belas estações eram uma propaganda constante da arquitetura, arte e cultura soviéticas, de modo a estimular o sentimento de orgulho nacional [2].
Ao analisarmos as estações sob a ótica da NeuroArquitetura, percebemos como alguns elementos da arquitetura são muito eficientes no apoio à difusão dos ideais e da cultura soviética. Antes de mais nada, a neurociência provou que o processo de memorização acontece de forma eficiente em duas situações: quando há repetição ou quando há impacto emocional [3]. Por isso os professores de cursinho, por exemplo, repetem sempre os mesmos jargões ou fazem piadas, assim eles ajudam os alunos a memorizar dados que serão importantes para o vestibular. As estações de metrô, cada uma com um elemento diferente que remete à história soviética [4] , sendo espaços frequentados diariamente pelo povo, funcionam nesse sentido. Todos os dias as pessoas têm algum contato com aquele elemento da história do país, funcionando como um gatilho para a memorização ou pra o não esquecimento.
Por outro lado, para aquelas pessoas que eram de outras regiões soviéticas e visitavam a capital, a relação com as estações era outra. O contato com aquela arquitetura tão impactante e que revela a identidade e a história soviética provocam as emoções, invocam memórias e causam aquele arrepio na espinha. Se no artigo anterior criticamos a perda da identidade dos Estádios construídos para a Copa sob as regras da FIFA, podemos dizer que nas estações do metrô de Moscou a identidade soviética aparece de forma gritante, sendo praticamente um museu a céu aberto.
Além disso, outra sensação que os visitantes da época podiam sentir, mais parecida com a que nós, turistas, temos ao passear por lá hoje é a surpresa. Antes de mais nada, somos surpreendidos por um luxo e uma beleza que nos fazem perder o ar. Como falamos no artigo anterior (Identidade nos Estádios), quando a arquitetura traz surpresas, ela faz com que seus usuários prestem mais atenção. Por outro lado, ambientes muito familiares fazem com que a gente funcione mais no "piloto automático". Nesse sentido, como cada estação é diferente e possui características muito próprias, isso também afeta os próprios moradores da cidade, já que o metrô de Moscou é enorme e basta mudar sua rota para ter a chance de conhecer uma nova estação.
Por último, outra característica interessante das estações é a enorme quantidade de estátuas, principalmente de Lenin. Podemos dizer que é uma homenagem ao líder da revolução, mas se analisarmos sob a ótica da NeuroArquitetura perceberemos que a forte presença das estátuas de líderes soviéticos pode provocar um comportamento necessário e importante no povo: respeito. Conforme a NeuroArquitetura comprova, as áreas mais antigas do cérebro, responsáveis por comportamentos instintivos e afetivos, são mais ingênuas e fáceis de enganar do que nossa inteligência racional. Nesse sentido, aquelas estátuas imensas dos líderes fazem com que as pessoas, mesmo que inconscientemente, sintam-se, de certa forma, vigiadas, sintam a presença do líder ali no dia a dia delas, naquelas estações de metrô. Assim, não precisamos nem de exames de neuroimagem para compreender como o comportamento de um povo que se sente vigiado nos lugares públicos que frequenta diariamente pode se alterar [5].
Por fim, o metrô de Moscou nos ajuda a entender como a arquitetura de um lugar ou mesmo de uma cidade pode estimular diversas sensações, tais como orgulho, respeito, pertencimento, patriotismo, entre outras. Essas sensações são causadas por nossas emoções, do medo, à surpresa e à alegria. Como discutido no artigo
NeuroArquitetura, Emoção e Decisão, nossas emoções afetam tanto nossa forma de perceber a realidade como nossa forma de responder a ela, ou seja, nosso comportamento. Ou seja, a relação entre indivíduos e espaços tem efeito direto no bem-estar e na produtividade. Se na escala de um escritório isso já faz diferença, imagine na escala de uma cidade inteira, ou um país. Por isso a NeuroArquitetura, que se renova a cada dia com as novas descobertas da neurociência, é uma ferramenta fundamental para o projeto de novos espaços.
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Nosso autor convidado, Fabio Menezes dos Anjos, é psicanalista, mestre em psicologia clínica pela USP, participou das formações clínicas do Forum do Campo Lacaniano, atende em consultório há 8 anos e já trabalhou também no contexto de projetos sociais, dependência química, esporte, entre outros. Pesquisa principalmente nas áreas de Esporte, Sociedade e discursos.
Referências:
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